terça-feira, 29 de abril de 2008

Verdelhos - 25 a 27 de Abril

Não há palavras para descrever o fim-de-semana passado em Verdelhos. Qualquer adjectivo pré-existente usado para qualificar esta aldeia seria demasiado redutor. Como tal nem sequer vou tentar exprimir aquilo que senti quando lá estive.
Posso simplesmente relatar os factos. Tive numa casa de xisto, no meio do nada. Sem electricidade ou luz artificial, sem estrada de acesso (tem um caminho de cabras). Mais recôndito e natural não pode haver. Simplesmente ... inclassificável.
Inicialmente, mesmo antes de ir passar lá o fim-de-semana, já estava a pensar escrever a experiência neste blogue, dado que este fim-de-semana foi a razão pela qual deixei o trabalho adiantado e porque a minha necessidade de relacionamento social e de tranquilidade acaba por condicionar o projecto. Foi essencial e correu muito bem.
Agora, esta necessidade de escrever neste blogue acaba por se tornar uma "obrigação" porque decidi, enquanto estive lá, que vou colocar o animal naquele meio. Naquela Natureza. O local onde estive parece reunir todas as condições para "libertar" a minha criatura.
Não digo mais nada, deixo a imagem falar por ela mesma.

foto: Susana Serro

Ponto de Situação #5 - Taxidermia Final

Chegou a hora da Taxidermia Final, 22h, quinta-feira, 24 de Abril de 2008. Mais uma vez, à imagem do que fiz na mensagem anterior "Ponto de Situação #4 - Experiência Taxidermia", irei escrever e descrever a minha experiência relativamente ao processo de Taxidermia Final. O que é que isto significa? Significa que já retirei o interior dos animais, ficando só com a pele, daquilo que será o produto final do meu projecto. Uma das últimas etapas.
Esta prática de taxidermia foi bastante mais complicada do que a experiência. Levou cerca de 6 horas de trabalho contínuo, sem pausas. Não, minto. Teve uma pausa para cumprir uma necessidade fisionómica básica, a das curtas. Nada mais que isso.
Se considerarmos pausas, o levantar-me da cadeira e mudar a câmara de posição, então fiz mais umas 8/10 pausas. Não sei bem ao certo. Mas enfim. Trabalho duro, desgastante, física e psicologicamente.
Face às 2h/3h que demorou a Experiência de Taxidermia. Há que ver pelo lado positivo. Pode ter sido extremamente cansativo mas até foi rápido.
Porque é que fiz a Taxidermia Final a todas os animais simultaneamente?
Primeiro, era a única maneira de garantir que todas as partes encaixam. Não queria correr o risco de cortar as partes desproporcionalmente umas em relação às outras. Outra razão que me levou a fazê-lo deste modo foi o facto de não querer perder a coragem com que estava. Se parasse naquele momento não sabia quando iria continuar. Por fim, estava a pensar passar o fim de semana fora com a minha irmã e amigos. Queria ir com eles a Verdelhos, fugir um pouco da agitação, respirar ar puro. Para o fazer tinha de recolher as peles para aproveitar o tempo que ia estar fora e deixá-las de molho no líquido de preparação (água, sal e alúmen). E assim aconteceu.
Vou-me deixar de rodeios e começar a falar da taxidermia em específico.
Fui buscar os animais "lá atrás" à "Arca de Noé" e deixei-os a descongelar "lá em baixo", ao lado da porta da cave que dá para o quintal.




foto: Henrique Serro

Fui tomar café, mentalizar-me, relaxar. Cumprir o ritual de preparação psíquica para me lançar na taxidermia. Após a preparação estar completa, vesti-me a rigor para a ocasião, meti os phones nas orelhas e lancei-me na taxidermia. A razão pela qual usei phones é simples. Precisava de ouvir música alto o suficiente para me concentrar nessa mesma música e baixo o suficiente para captar com a câmara o som da taxidermia e todos os sons ambientes. Coisa que não foi possível na taxidermia experimental. Comecei pelo morcego. O caso mais simples, mais delicado e mais descongelado. foi realmente muito simples, curioso e uma experiência de exploração. O nojo que provoca ao olhar e ao tacto (pela viscosidade que é realmente acentuada) nada combina com o cheiro.

Não cheira tão mal quanto se imagina. Face à iguana e à truta arrisco-me a dizer que cheira a rosas. Talvez esteja a exagerar vá. Não custou muito, talvez por estar à espera de um cheiro horrendo.
Um episódio engraçado e diferente a anotar neste caso foi ter encontrado uma pedra de urina congelada, do tamanho de um berlinde, na bexiga do animal. Pedra essa que se desfez quase instantaneamente quando a tirei do seu interior.
Retiradas as asas, já tinha um dos elementos da minha composição.
Prossegui para a iguana adulta. Esta foi a mais trabalhosa, sem dúvida alguma. No entanto, não foi a que custou mais a tratar.
Comecei como de costume por fazer uma incisão na zona abdominal do animal, desde o pescoço quase até ao ânus. De seguida cortei os membros traseiros e a cauda com o serrote. Era realmente complicado cortá-la com o bisturi, por isso o serrote acabou por se revelar a solução mais prática. O cheiro da iguana era já um pouco mais desagradável. No entanto, curiosamente, o da iguana mais pequena era bastante pior.
Fui retirando a pele, a pouco e pouco, neste caso não foi necessária tanta delicadeza devido à resistência da pele. Aliás, era necessário muita força. Tanta que ao acabar de soltar os músculos da iguana do corpo, patas e crânio, já estava completamente derrotado. O enjoo derivado ao cansaço, mudança constante de odores, temperaturas, experiências tácteis e visuais insurgia cada vez mais com mais rigor. Ao acabar o assunto com a iguana estava perto de ficar por ali e continuar noutro dia. Só a imagem de tranquilidade de Verdelhos que me surgia esporadicamente na mente me conseguiu evitar a desistência antecipada.
Eram agora 3:20h da manhã do Dia da Revolução (25 de Abril) quando comecei com o último animal. Nunca neste dia me senti tão revoltado. Estava a viver o 25 de Abril que nunca vivi. A minha revolução em todos os sentidos e a revolução das coisas à minha volta naquela cave fazia-se notar a qualquer um que por lá decidisse aparecer. Felizmente que ninguém o fez.

O peixe (truta) foi, sem dúvida alguma, o mais difícil e nojento (era, não consigo escondê-lo). A frescura e viscosidade atravessava as grossas luvas azuis de borracha. Parecia que estava a mexer no animal de mãos nuas.

O cheiro era brutalmente venenoso. Já não sentia cheiro a peixe. Era tudo uma mistura do pior cheiro que se pode imaginar. Coisa que não é possível fazer. Confesso que tive vontade de vomitar, o que é um ponto para os animais. Eu muitíssimo raramente vomito e aquela experiência sensorial toda junta estava a conseguir ganhar pontos sobre mim.
Mas não me podia deixar vencer. "O fim de semana que me espera vai ser tão bom" - Pensava eu. "Paz. Tranquilidade" ... insistia para não desistir. O esforço físico começava a ser insuportável até que o psicológico foi atacado pelo esgotar da bateria do iPod. Acabou a música.
Já em desespero acabou a taxidermia também.
São 4h da manhã. Junto a pele do peixe às outras peles, dentro da bacia, com o líquido de preparação.
O cheiro persegue-me até à cozinha. Como pão para tentar encher o estômago. Tentar enganá-lo com alguma coisa insípida, sem um sabor muito forte. Não fosse correr o risco de vomitar. As dores de cabeça manifestavam-se a esta altura com uma intensidade indescritível. "O cheiro continua" - quanto mais pensava no cheiro mais intensamente cheirava e mais dores de cabeça tinha. Fui lá fora fumar um cigarro. Mal dou a primeira passa tudo muda. O fumo invadiu o espaço do cheiro que os animais me deixaram. Tomou posse e tornou-se ele próprio, sensivelmente a meio do cigarro, o elemento evasivo. A última passa que dei naquele último cigarro do maço deixou-me a muito pouco de vomitar. Ficou-se pela produção abundante de saliva. Fui para a cama (4:30h) a sentir que dei um pouco da minha vida. Morto de cansaço.

segunda-feira, 21 de abril de 2008

Ponto de Situação #4 - Experiência Taxidermia

A minha primeira Experiência de Taxidermia finalmente foi levada a cabo. Nos últimos dias andei a colectar pacotes de coragem para me atirar de cabeça na prática efectiva de embalsamamento animal.
O texto publicado nesta mensagem servirá então para documentar aquilo que, o vídeo e as fotografias por si só, não possuem a capacidade de transmitir. Irei escrever sobre as sensações, os odores, os pensamentos e toda a envolvente.
Iniciei este capítulo do Projecto, indo à Arca Congeladora (aquilo a que mais recentemente chamo de "Arca de Noé") recolher uma das iguanas mais pequenas que tinha lá dentro (gentilmente cedida pelo Sr. Arlindo, alguém que escrevo muito neste blogue). Dirigi-me com ela para o meu local de trabalho (a cave de minha casa) e coloquei-a em cima da mesa para descongelar. Até aquele momento, não senti odores muitos intensos. Tal condição mudou após ter esperado que a iguana descongelasse e incidisse o primeiro corte na zona abdominal. O cheiro concentrado no interior da dura pele do pequeno réptil aflorou, evasivamente, à superfície, contagiando toda a cave e as escadas interiores de acesso ao rés-do-chão. Entranhou-se na camisola, na t-shirt, nas calças, nas sapatilhas, nas luvas, nas meias. Lembro-me de me questionar no pensamento "como é que um animal tão pequeno pode cheirar tão horrivelmente". É o primeiro factor que evidencía a distinção entre a vida e a morte. O cheiro que senti é tão facilmente traduzível por palavras, como incomparável com qualquer outra coisa. Cheira a iguana morta(ponto)


Enfim ... contagiado o espaço, só me resta prosseguir. A música foi a minha principal força. Nem sei ao certo o que estava a ouvir. Algumas músicas electro que o meu irmão me tinha acabado de passar para o computador estavam "aos berros" a ser reproduzidas ao longo da sala. O único papel da música naquele momento era o de substituir a atenção do olfacto pela audição. Ao manter a concentração focada na música abstraía-me do cheiro. Era facto e por mim tudo bem.
À medida que continuava a libertar a pele do resto do corpo, delicadamente, com o auxílio do bisturi, imagens do livro técnico de Taxidermia que vou revendo (Taxidermia - Embalsamamento de Pássaros e Mamíferos da autoria de Harry Hortjaa) surgem-me sob a forma de sinapses electricamente estimuladas. Nunca tinha lido como embalsamar um réptil, mas deduzi e bem (acho eu) que não haveria de estar muito longe da prática de taxidermia em mamíferos que tinha lido, re-lido e enjoado de ver imagens e videos.
"Corta aqui e ali, agora dá a volta, solta, cuidado com as patas, isso, muito bem, ups ... não interessa, para a próxima já não me engano. Continuando". Pensava eu. Fiz um conjunto de asneiras. Saudáveis. Nada de grave. Afinal de contas esta experiência serviu para isso mesmo. "Quanto mais asneiras fizer, mais asneiras me vou lembrar que fiz na Taxidermia Final".
Acabei esta minha experiência com um ... "Isto nem é assim tão difícil, embora já não sinta o meu próprio cheiro" ...

terça-feira, 15 de abril de 2008

Ponto de Situação #3 - Recolha dos animais

Queria, nesta mensagem, antes de qualquer outro assunto, agradecer ao Sr. Arlindo Araújo da empresa "O Pantanal" e ao Dr. Nuno Alvúra do Zoo da Maia, pela disponibilidade e por me terem facultado os animais mortos que preciso para avançar com o meu projecto. É graças a eles que posso dizer: "A recolha dos animais está finalizada" (ou quase). Para já tenho em minha posse três iguanas (uma adulta e duas jovens), um pássaro e um morcego. Podem ser vistos documentados nas filmagens, no capítulo "Recolha de animais" que em breve estará disponível. Estou a ponderar montar o meu híbrido com uma espécie piscícola, que ainda tenho de comprar num qualquer mercado.
Os outros animais estão prontos e aguardam, congelados na arca frigorífica, pela minha intervenção. Agora deparo-me com a necessidade para outro tipo de preparação, a minha. Poderia já ter começado a experimentar a prática de taxidermia numa das iguanas mais jovens que recolhi, mas ainda não tive o sangue frio para tal. É uma vantagem que ela leva sobre mim.
Vou "perder" agora mais dois/três dias, no máximo, para refazer estruturalmente aquilo que vai ser a minha criatura híbrida. Nesse período de dois/três dias é possível que vá ao hospital (em principio de Famalicão) recolher um pouco do meu sangue para colocar dentro do animal, numa das últimas etapas da taxidermia.
Por enquanto deixo aqui uma montagem daquilo que há alguns quatro meses atrás imaginava que iria ser a minha criatura híbrida.

A minha criatura foi inicialmente pensada com este aspecto, pela facilidade que representa encontrar cada um destes quatro animais mortos. Nunca imaginei, quando pus na cabeça fazer este projecto, que seria mais fácil encontrar animais exóticos mortos do que aqueles que vemos no quotidiano como um rato ou um esquilo. A realidade é que, pensando bem, até faz sentido, pelo menos na cabeça de quem tem por hábito guardar animais mortos no congelador do Combinado como é o caso do Sr. Arlindo.
Por que raio havia o Sr. Arlindo de guardar um rato ou um esquilo no congelador, quando pode lá enfiar iguanas, cobras, lagartos, doninhas ou pássaros exóticos. Já que é para meter animais no congelador, ao menos que sejam exóticos. "Pode ser que apareçam aí uns estudantes lá das Artes malucas à procura de animais mortos e ainda faço algum dinheiro com isso". Pensou ele. O Sr. Arlindo é um homem de negócios. Que posso eu fazer. Apenas posso lamuriar os 40€ que a iguana adulta morta me custou e agradecer pelas outras duas e pelo pássaro de "oferta".
Mas enfim ... foi uma boa lição. Tudo na vida custa dinheiro ... tanto como na morte.
Mas ... não lamento ter gasto esse dinheiro nos animais mortos. São só desabafos.

terça-feira, 1 de abril de 2008

Como será a aplicação prática do projecto Brh+ ?

Esta é uma questão que me tem vindo a atormentar desde que decidi investir a minha dedicação neste projecto de taxidermia.

Como será aplicado? Como revelarei toda a documentação processual do trabalho e o produto final simultaneamente? Será isso estritamente necessário?

Inicialmente, imaginei a exposição do meu trabalho do seguinte modo:

.o produto final ou criatura embalsamada em cima de uma caixa ou de um plinto branco como local de destaque (à semelhança das esculturas), acompanhado da ficha técnica (com inclusão de uma sinopse e o endereço do blogue) e acompanhado ainda de um pequeno leitor de DVD portátil, onde passaria em loop todo o processo de trabalho documentado.

Esta pareceu-me a melhor solução para expor o meu projecto, dada a importância dos vários elementos que o compõem (conceito, processo e produto).

Agora que fui alertado para esta questão pelo orientador do projecto apercebi-me que nem sempre o modo mais típico de exposição de um trabalho artístico é o melhor ou ideal. Na realidade, mesmo para o conceito deste projecto não tem muita lógica expor a criatura como um troféu ou como objecto artístico. A verdade é que tenho vindo a pensar bastante sobre a sua aplicação prática mas nunca achei necessário, até agora, tê-la já determinada.

Agora apercebo-me da importância da sua aplicação e decidi fazer algo que me ocorreu mas me custou determinar como algo que irei efectivamente fazer.

Depois de concluída e documentada a criação da nova criatura irei libertá-la na natureza, num local ermo, longe dos perigos que os Homens representam e perto dos perigos dos seus predadores naturais, bactérias e seres de decomposição orgânica. Creio que só assim tem lógica a exposição desta criatura, não sendo vista como obra de arte, mas sim como um ser. A aproximação da criatura com a natureza dá-lhe os elementos necessários para viver. Um ser condicionalmente morto que vive. Como todos nós, mas sem a sua condicionante. Enfim ... Pormenores.